segunda-feira, 9 de junho de 2008

Amor é fogo que arde sem se ver
Amor é fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer;
É um não querer mais que bem querer;
É solitário andar por entre a gente;
É nunca contentar-se de contente;
É cuidar que se ganha em se perder;
É querer estar preso por vontade;
É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata lealdade.
Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade,
Se tão contrário a si é o mesmo Amor?



Luís de Camões


Este soneto é uma concepção do neoplatonismo, ele é uma definição poética do amor. Camões quiz explicar este sentimento indefinido, tentando explicar o inexplicável, colocando grandes contrates para caracterizar este mistério que é o Amor.

(Paula Roberta Andrade de Moura)


Para contextualizarmos vejamos a música Monte castelo de Renato Russo onde o cantor e compositor tira trechos do poema acima e também recortes do apóstolo Paulo.


Ainda que eu falasse
A língua dos homens
E falasse a língua do anjos
Sem amor, eu nada seria...
É só o amor, é só o amor
Que conhece o que é verdade
O amor é bom, não quer o mal
Não sente invejaOu se envaidece...
O amor é o fogoQue arde sem se ver
É ferida que dói
E não se sente
É um contentamentoDescontente
É dor que desatina sem doer...
Ainda que eu falasse
A língua dos homens
E falasse a língua dos anjos
Sem amor, eu nada seria...
É um não querer
Mais que bem querer
É solitário andar
Por entre a gente
É um não contentar-se
De contente
É cuidar que se ganha
Em se perder...
É um estar-se preso
Por vontade
É servir a quem vence
O vencedor
É um ter com quem nos mata
A lealdadeTão contrário a si
É o mesmo amor...
Estou acordado
E todos dormem, todos dormem
Todos dormem
Agora vejo em parte
Mas então veremos face a face
É só o amor, é só o amor
Que conhece o que é verdade...
Ainda que eu falasse
A língua dos homens
E falasse a língua do anjos
Sem amor, eu nada seria..
http//numerobis.blogspot.com
Alma minha gentil, que te partiste

Alma minha gentil, que te partiste
Tão cedo desta vida, descontente,
Repousa lá no céu eternamente
E viva eu cá na terra sempre triste.

Se lá no assento etéreo, onde subiste,
Memória desta vida se consente,
Não te esqueça daquele amor ardente
Que já nos olhos meus tão puro viste.

E se vires que pode merecer-te
Alguma cousa a dor que me ficou
Dá mágoa, sem remédio, de perder-te

Roga a Deus, que teus anos encurtou,
Que tão cedo de cá me leve a ver-te,
Quão cedo de meus olhos te levou.

(Luís Vaz de Camões)
site: http//www.fisica.ufpb.br
Camões é tradicionalmente considerado o maior poeta lírico português. A sua poesia lírica é marcada por uma dualidade: ora são textos de herança da tradicional poesia portuguesa (as redondilhas), ora são poesias enquadradas no estilo novo do renascimento, como mostra o soneto: Alma minha gentil, que te partiste, que tem como tema o amor do sujeito poético para com a sua amada, que para sua tristeza morreu jovem. Como sua amada já se despediu para sempre (morreu) o tom desse poema é voltado para um ambiente amargo e triste. O poema também tem a função de revelar a saudade do sujeito poético a sua amada que, provavelmente, o pode ouvir lá do céu.
O poema tem uma estrutura em forma de soneto que possui forma fixa, apresentando dois quartetos e dois tercetos, as duas quadras apresentam rimas interpoladas e emparelhadas (ABBA, ABBA) e os dois tercetos rimas cruzadas (CDC, DCD). Há semelhanças sonoras no final de diferentes versos, dando musicalidade ao poema, seus versos são decassílabos apresentando simetria, há também a presença de advérbios; tão, eternamente e sempre intensificando o poema.
(Josiany Costa dos Santos)

sexta-feira, 6 de junho de 2008

Há uma música do povo


Há uma música do povo
Nem sei dizer se é um fado
Que ouvindo-a há um ritmo novo
No ser que tenho guardado...

Ouvindo-a sou quem seria
Se desejar fosse ser...
É uma simples melodia
Das que se aprendem a viver...

E ouço-a embalado e sozinho...
É isso mesmo que eu quis...
Perdi a fé e o caminho...
Quem não fui é que é feliz

Mas é tão consoladora
A vaga e triste canção...
Que a minha alma já não chora
Nem eu tenho coração

Sou uma emoção estrangeira,
Um erro de sonho ido...
Canto de qualquer maneira
E acabo com um sentido!

(Fernando Pessoa)
site: http://www.revista.agulha.nom.br/



É patente nos versos acima uma certa inconstância do eu-lírico em relação à sua situação enquanto existente.Destoando de qualquer poeta que se conheça, Pessoa cria uma forma poética absolutamente prolífica e complexa.No poema apresentado há uma sinestesia entre o ouvinte da música e a própria música,o que se expressa pelos versos ''Ouvindo-a sou quem seria, se desejar fosse ser''.Depois isso é negado pela última estrofe onde onde afinal há a perda de identidade:''Canto de qualquer maneira,e acabo com um sentido''.Confirmando assim o paradoxo,característica fundamental de Fernando Pessoa.
(Emmanoel de Andrade Vasconcelos)