sexta-feira, 6 de junho de 2008

Há uma música do povo


Há uma música do povo
Nem sei dizer se é um fado
Que ouvindo-a há um ritmo novo
No ser que tenho guardado...

Ouvindo-a sou quem seria
Se desejar fosse ser...
É uma simples melodia
Das que se aprendem a viver...

E ouço-a embalado e sozinho...
É isso mesmo que eu quis...
Perdi a fé e o caminho...
Quem não fui é que é feliz

Mas é tão consoladora
A vaga e triste canção...
Que a minha alma já não chora
Nem eu tenho coração

Sou uma emoção estrangeira,
Um erro de sonho ido...
Canto de qualquer maneira
E acabo com um sentido!

(Fernando Pessoa)
site: http://www.revista.agulha.nom.br/



É patente nos versos acima uma certa inconstância do eu-lírico em relação à sua situação enquanto existente.Destoando de qualquer poeta que se conheça, Pessoa cria uma forma poética absolutamente prolífica e complexa.No poema apresentado há uma sinestesia entre o ouvinte da música e a própria música,o que se expressa pelos versos ''Ouvindo-a sou quem seria, se desejar fosse ser''.Depois isso é negado pela última estrofe onde onde afinal há a perda de identidade:''Canto de qualquer maneira,e acabo com um sentido''.Confirmando assim o paradoxo,característica fundamental de Fernando Pessoa.
(Emmanoel de Andrade Vasconcelos)

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